por Sara Leão

 

Breve reflexão de uma utente das termas

Do meu gabinete no balneário, ouvia a conversa das senhoras dos gabinetes vizinhos: “Encontramo-nos no bar! A Fernanda diz que está com uma fome que não se aguenta”.

É a minha segunda visita às termas, em dois anos consecutivos. Já conheço o cheiro a enxofre, a temperatura elevada, os chinelos maljeitosos, o roupão às vezes curto, às vezes capaz de albergar duas e meia de mim. Recebo uns olhares complacentes e curiosos das minhas colegas de piscina: “E esta, o que andará a fazer aqui?”, imagino-as a perguntar-se. A velhice vê-se, vem escarrapachada na capa. Mas, no meu caso, nestes últimos anos, veio-me uma velhice por dentro, mais concretamente materializada na dor articular e em rigidezes várias.

Tenho também trabalhado de perto com pessoas na faixa dos 80 anos. A velhice pega-se? Pois, sim e não. Às vezes, é um estado de coisas que se apega a espíritos ainda muito juvenis.

Vemos pessoas de 80 anos que são eternas jovens, espíritos mais jovens do que eu nos meus dias bons, agora obrigados a viver num corpo que já responde ao tempo com muitas dificuldades.

Não amadurecemos todx/a/os o mesmo, nem envelheceremos todx/a/os o mesmo. Suspeito que o meu espírito se sinta bastante confortável com esta meia-idade que se aproxima, mas de sofrer ninguém gosta. A velhice pode ser integrada na noção de si, mas para muita gente é apenas um estado que pousa sobre os ossos. Ninguém o encomendou, mas ele vem a passo firme, a seu tempo. Não enobrece por automatismo, nem dá sabedoria a quem não se foi deixando fazer sábio, mas torna evidente a nossa vulnerabilidade, a necessidade de cuidado e de apoio mútuo.

A nossa casa primeira, o corpo, já não responde de forma fidedigna, os planos para esta semana podem facilmente vir a ter de ser reformulados por lesões de percurso, e, às vezes, é difícil deixar que as conversas se expandam para lá do relato das maleitas – é que estamos a ser traídas pelo nosso alicerce de vida e não faltam órgãos para darem de si!

É em resposta a esta falência ou inconstância do corpo individual, que nos será comum a todx/a/os, que precisamos de respostas de um corpo comunitário e social que se regenere.

Respostas contidas nas relações de amizade, que são curativas, mas também em estruturas comunitárias que permitam apoiar quem, por algum motivo, ficou isolado. Respostas sociais que permitam envelhecer em casa, a quem assim o deseje, sem que a falta de “produtividade” seja uma sentença de enclausuramento. Há projetos e investigação que vão nesse sentido, onde se procuram estruturas que apoiem a autonomia na velhice, de modo a que as pessoas não se vejam obrigadas a abandonar os seus espaços e os seus hábitos, fornecendo para isso apoio doméstico, na mobilidade, serviços de saúde de proximidade, entre outras dimensões que compõem o dia a dia.

E há sempre a possibilidade de irmos viver juntas. Algumas, pelo menos, que isto de agradar a gregas e a troianas. Por aqui, já fazemos planos.

Aposto que a Fernanda e as amigas se encontraram no bar das termas, em volta de umas tostas mistas e um ou dois finos. Não cheguei a espreitar o dito bar. Fica para o ano.

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Sara Leão

Licenciada em Ciências da Educação, formadora de Português Língua Estrangeira, assistente pessoal num Centro de Apoio à Vida Independente, técnica de educação neste e naquele projeto.

 

 

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