de Thayane Gaspar
“E ele?” me perguntam como se eu tivesse o direito de saber, o dever de não te esquecer e o fardo de ter para sempre a minha sorte ligada à sua ainda que a conversa de noite que ligava as nossas vidas separadas esteja terminada.
Respondo que somos faces da mesma moeda, se alguém tira cara, não pode tirar coroa. Somos o gato de Schrödinger depois que se abre a caixa, eu como os 50% de probabilidade e você os outros 50% do meu cem. Não somos oposição, somos a diacronia das nossas próprias histórias, aquelas que escrevemos com a pena tatuada no seu braço.
Somos escritores, professores, comunicadores de um amor profetizado por mães que não sabem nada dos seus filhos, do destino e nem dos feitiços do futuro. Somos paralelos. Ando metade do Rio de Janeiro sem poder fazer curvas vivendo numa gangorra. Eu em cima. Você em baixo. Agora você em cima. E eu em baixo dessa montoeira de palavras bonitas, expectativas cumpridas, de poemas que eu te dou para ler porque você se recusa a escrever qualquer coisa que não seja um anúncio institucional da sua indisponibilidade para mim.
Só entra na sua vida quem tem coragem de te esperar fora da gangorra e esperar caído, morto de infelicidade mútua e com filhos que nascem do chão. E eu infértil não quero pular e você já se acostumou com o movimento que não te permite sair do lugar.
Somos abelhas covardes que não acreditam que a ferroada valha os minutos antes da morte. É suicídio, mas somos personagens da literatura brasileira e não alemã. E não podemos esperar até de manhã para morrermos de amor. Você por uma Lotte e eu por você e tantos outros. Nos escapa essa sensibilidade.
Depois de quatro anos tentando, somos dois amantes idosos que esperam o fim juntos, rezando para as paredes com infiltrações da cozinha, dividindo um copo para as duas dentaduras sem poder dar dentadas nesse pedaço hipotético da nossa vida de casal. Somos dois velhos que nem levantaram da cama para o prédio desabar.
Nossos braços estão flácidos demais para carregar nossas sacolas de mercado com as cinzas dos nossos poemas incinerados misturados aos cigarros fumados pelas bocas de nossas escolhas. Temos pernas de ossos delicados e varizes que não aguentam mais nos fazer andar um de encontro ao outro.
E destino é cínico e dissimula sua mente já senil e continua nos negando um encontrão na esquina que frequentamos, um choque entre um meteoro e Júpiter, entre o medievo e o século da razão, entre as realidades paralelas, onde aquela moeda não caiu nem cara e nem coroa e nos faz existir juntos, e eu é quem sou a mãe dos seus filhos, não apenas a dedicatória de uma desconhecida no livro infantil dele.
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Jornalista, formada pela Universidade Castelo Branco (UCB). Formada em Letras e cursando mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) como bolsista da CAPES. Cursou o nível médio e superior do curso de verão de língua e cultura galegas (edições 2015 e 2016), Galego Sen Fronteiras. Estagiou no PROEG (Programa de Estudos Galegos da UERJ) de 2014-2017. Autora dos romances “Princesa de Gelo” e “Mitral o esconderijo do mundo” publicados pela Editora Modo Tradicional. Atualmente se dedica à pesquisa sobre literatura galega tendo publicado um texto sobre Carlos Casares no livro “Suicídio: Entre o viver e o morrer” da Edições IFEN (2017).
Imagem de destaque: Clementina Allende Iriarte