por Mariola Mourelo
Os cuidados na coletividade feminista som umha questom complexa, que tem de ser olhada nas suas diferentes dimensões, as quais provocam dinâmicas internas gasosas que nos envolvem e determinam o nosso bom-viver e o das nossas comunidades.
Já passou quase um ano desde a última vez que escrevi nesta secçom, e o tema dos cuidados continua a ser, se nom for ainda mais, um grande elefante na sala. É verdade que quando perguntas sobre a sua importância a resposta é com frequência positiva, percebendo-o como central no feminismo atual. Algumhas asseguram que nos seus coletivos estam-se a estabelecer protocolos de cuidados, espaços específicos ou companheiras encarregadas de tomar conta deles. Outras reconhecem que continua a ser umha questom colocada eternamente no final da listagem de tarefas a fazer do seu grupo.
A preocupaçom que eu tinha era se a hiperfocagem no autocuidado dos últimos anos nom estaria a descuidar as companheiras que assumem o trabalho reprodutivo da organizaçom dos grupos, quer dizer, dos cuidados, reproduzindo desta maneira, mais umha vez, a ordem patriarcal e binarismo desigual entre cuidadoras e cuidadas. Felizmente outras, aquém e além-mar, tamém se procupárom com isso, ampliando tamém a outras questões, polo que pensei que um bom jeito de finalizar, sequer temporariamente este grande tema, era compartilhar nesta secçom umha conclusom-panorâmica dessas experiências e reflexões. Agradeço especialmente às que participastes no questionário do anterior número e àquelas com quem partilhei e partilho conversas e experiências de construção e autocrítica feminista.
Cuidarmos de nós próprias. O que se chama tamém autocuidado, esse olhar dentro dos limites do nosso corpo e mente. Incluindo deixar-nos cuidar, delegar, partilhar responsabilidade, pedir ajuda, celebrar os acertos, aprender dos erros e abraçar-nos/tratar-nos a nós mesmas com compaixom.

@marianamatija
Este lugar ou lugares onde
vivemos e as relações que
estabelecemos entre nós e com
o resto de seres com quem
partilhamos vida, tem de ser
cuidado.
Cuidar das outras. Olhar para fora das fronteiras da nossa pele e dar espaço, voz e consideraçom às necessidades das que nos acompanham neste caminhar de resistência e tomada de poder. Perguntar, escutar, colocar-se no seu lugar, ser conscientes de que as nossas ausências e insistências afetam as que ficam e as que vam embora. Cuidarmos umhas das outras e, se nom formos capazes de compreender ou concordar, aceitar e respeitar.
Cuidar do projeto. Olhar para a cola que nos une, essa ideia, sonho, necessidade comum que se materializa em contacto físico e mental, criando grupos e iniciativas que nos dam força para viver e ser algo mais felizes. Cuidar da ideia—da alma—, e do dia a dia—do corpo. Dar-lhe tempo, energia e o seu lugar importante na nossa vida. Tratá-lo nom como mais um encargo do sistema neoliberal, mas como um lugar imprescindível da nossa libertaçom.

@deannazandt
Cuidar das outras coletividades. Ser conscientes da nossa interdependência com outros grupos e iniciativas similares e/ou afins. Da nossa particularidade saber tamém acolher outros andares, sucessos e desventuras, como parte dum ecossistema partilhado de que todas beneficiamos e somos afetadas umhas polas outras inevitavelmente.
Cuidar do mundo. Este lugar ou lugares onde vivemos, e as relações que estabelecemos entre nós e com o resto de seres com quem partilhamos vida. O jeito de nos organizar, as estruturas que se conformam para facilitar a nossa existência é o nosso direito e responsabilidade. É vital que participemos na sua construçom, revisom e transformaçom, da perspetiva e formato que consideremos, até que todas sejamos incluídas e todas vivamos bem.
Esta é pois umha proposta de visom global do que implicam os cuidados. Mais umha ferramenta para a compreensom e açom cara umha resistência coletiva que cuide de todas. Espero que seja de utilidade.
“Para curar individual e coletivamente tem-se de recordar que nom todas temos as mesmas condições de vida. Curar nom é só “sentir-se bem”, é sentir-se segura (segurxs). E para algumhas de nós sentir-se segura implica luitar contra os sistemas de opressom que nos fazem sentir instáveis, discriminadas e violentadas.”
Minaa B.
@deannazandt
@batucadafeministaibague
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Mariola Mourelo é ativista feminista, fotoeducadora e facilitadora de grupos.
ffotoeduca@gmail.com
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